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Como enfrentar a crise de aprendizagem na América Latina e no Caribe?
Pablo Cevallos Estarellas, Diretor do Escritório para a América Latina e o Caribe do IIPE UNESCO, apresenta algumas conclusões e recomendações para superar a atual crise de aprendizagem.
Sala de aula

© Infogram

Por: Pablo Cevallos Estarellas.
 

Não é novidade que os países da América Latina e do Caribe estão imersos numa profunda crise de aprendizagem que se manifesta no fato de que as crianças e adolescentes da região não estão aprendendo o mínimo necessário para enfrentar os desafios do século XXI. A persistência dessa crise é ainda mais marcante se levarmos em conta que, nas últimas duas décadas, muitos governos da região aplicaram uma série de recomendações "canônicas" destinadas a melhorar a qualidade da aprendizagem dos estudantes, incluindo, por exemplo, a atualização dos currículos, o estabelecimento de sistemas de avaliação da aprendizagem, a melhoria do desempenho dos professores e a integração da tecnologia nos processos educacionais.

É verdade que, em 2020 e 2021, a região sofreu com a pandemia de covid-19, em consequência da qual a maioria dos países fechou escolas e mudou para modalidades à distância, o que funcionou particularmente mal com as pessoas de meios socioeconômicos mais baixos. Mas temos evidências dadas pelas provas da UNESCO e da OCDE de que os níveis de aprendizagem estudantil já haviam estagnado em 2019, e que a crise de aprendizagem, portanto, precede a pandemia, e provavelmente foi exacerbada por ela. Em princípio, as políticas educacionais implementadas nas últimas duas décadas visavam precisamente resolver esses problemas, mas é evidente que não tiveram êxito.

O desafio, então, é claro: se queremos que o direito à educação de qualidade seja cumprido para todas as pessoas, precisamos mudar a estratégia. Mas como resolver a crise de aprendizagem?

Este foi o slogan da sexta edição do Fórum Regional de Política Educacional, convocado pelo Instituto Internacional de Planejamento da UNESCO, em outubro deste ano. Durante três dias, mais de 400 pessoas - incluindo autoridades de ministérios da educação de 29 países da região, técnicos de alto nível, supervisores educacionais e diretores de escolas, especialistas de universidades e centros de pesquisa, funcionários de organizações internacionais, e atores da sociedade civil - reuniram-se virtualmente num espaço de diálogo, consulta e reflexão para se perguntarem como preencher a lacuna entre a política prescrita e a política implementada. Essa reunião foi também o primeiro espaço de acompanhamento na ALC sobre as conclusões da Cúpula sobre Transformação da Educação, realizada em Nova Iorque em setembro deste ano.

A seguir, um resumo das principais conclusões dos participantes do Fórum Regional, que fizeram uma revisão retrospectiva de algumas das principais políticas educacionais implementadas na região nas últimas duas décadas, com a intenção de perguntar que erros foram cometidos e que lições poderiam ser aprendidas para ajudar a identificar recomendações para superar a atual crise de aprendizagem.

  1. É bem sabido que as políticas educacionais que visam melhorar a aprendizagem geralmente levam tempo para ter um efeito. Mas para que as políticas sejam minimamente sustentáveis e além dos altos e baixos dos governos em exercício, elas precisam ter alcançado um certo nível de legitimidade social. Nesse sentido, uma conclusão do Fórum Regional é que os países devem gerar diálogos inclusivos entre os cidadãos que busquem identificar consenso em relação aos propósitos da educação e às políticas públicas para alcançar esses propósitos. Ao mesmo tempo, devem visar a construção de alianças e consensos sociais que incluam o maior número possível de cidadãos, grupos sociais e organizações da sociedade civil. Esses processos tornarão possível gerar políticas educacionais mais legítimas e duradouras e, portanto, com maior probabilidade de sucesso, já que aqueles que não passam nas provas de legitimidade são os primeiros a serem revertidos ou desativados quando há uma mudança de governo. Portanto, a educação precisa ser uma prioridade para todas as pessoas de uma sociedade e sustentada ao longo do tempo, como uma política educacional de Estado e não apenas uma política governamental. Portanto, para fazer da educação uma prioridade, é essencial que a sociedade como um todo assuma o desafio educacional.
     
  2. Concluiu-se também que muitas das deficiências de aprendizagem, especialmente aquelas associadas às condições de marginalização ou pobreza extrema, não podem ser resolvidas apenas com políticas educacionais, mas precisam ser acompanhadas por políticas sociais complementares. Portanto, é necessário conseguir uma coordenação transversal entre as políticas educacionais e as políticas sociais porque, se é verdade que a educação é um instrumento chave para reduzir as desigualdades sociais e educacionais estruturais, também é verdade que os problemas educacionais não podem ser resolvidos apenas pelos ministérios da educação. Isso inevitavelmente exige investimento de Estado suficiente, uma vez que as políticas educacionais são muitas vezes tecnicamente bem concebidas, mas não recebem o financiamento necessário, o que é uma forma de condená-las prematuramente ao fracasso.
     
  3. Outra conclusão do Fórum Regional foi que, para preencher a lacuna entre as políticas planejadas e implementadas, é necessário pensar em políticas educacionais de maneira longitudinal e, para isso, é necessário assegurar a articulação entre o centro e a periferia dos sistemas educacionais. Isso significa que cada elo da cadeia de implementação deve contribuir para o cumprimento do que foi planejado, mas também fornecer feedback, em um processo iterativo de identificação e correção de erros. Para conseguir isso, é crucial ter o apoio de funcionários do sistema educacional entre ministérios da educação e professores, conhecido como o "nível médio" dos sistemas educacionais, desde autoridades e técnicos em escritórios de campo até supervisores e diretores de escolas. Essa articulação exige o desenvolvimento de capacidades profissionais em todos os atores acima mencionados, e uma dinâmica que integre dinâmicas de cima para baixo que vão do centro para a periferia com dinâmicas de baixo para cima que retornam da periferia para o centro, porque é muito difícil implementar políticas de educação eficazes e sustentáveis se os atores não se apropriarem delas, e ao mesmo tempo isso não é possível se as percepções dos atores e a cultura das instituições não forem levadas em conta na formulação das mesmas.

A superação da atual crise de aprendizagem exige que reimaginemos a educação, mas, como podemos ver, não é necessário começar do zero: a experiência nos dá lições valiosas e aponta os desafios a serem enfrentados. O momento é agora, não há tempo a perder.

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